terça-feira, 5 de junho de 2007

"O dinheiro não estraga o futebol"


A entrevista abaixo foi sugestão do amigo Roberto Piantino que gentilmente nos traduziu diretamente do site da respetadíssima revista alemã Kicker. Na extensa, porém espetacular matéria, César Luis Menotti fala sobre sua visão particular do futebol atual. O papo, do dia 13 de junho de 2006, é imperdível.

Menotti, que fez história como treinador da Argentina campeã do mundo em 1978, tem uma carreira pautada pelo bom futebol de suas equipes. Entre as principais, o Barcelona de Diego Maradona nos anos 80.

"O dinheiro não estraga o futebol"

k: Senhor Menotti, o Senhor já tem 67 anos, possui belas propriedades nos Pampas e apesar disso fica mais tempo em seu escritório de Buenos Aires. Por quê?

CM: Eu nasci com uma bola. O futebol é minha vida. Eu acabo de escrever um livro e trabalho para uma emissora de TV mexicana durante a Copa. Quando era mais jovem fui para o México por 14 dias como treinador de uma equipe de segunda divisão. Estou continuamente buscando coisas, eu não posso criar gado. Eu quero viver o futebol, todos os dias.

k: Há alguns meses o Senhor esteve em Cuba. De onde vem isso?

CM: A federação cubana me convidou. Realizei palestras para treinadores, funcionários e autoridades.

k: Em seus ensaios o Senhor escreve sobre "Futebol de esquerda e direita". Qual futebol é jogado em Cuba?

CM: O futebol cubano fez grandes progressos. Nas eliminatórias da Copa, Cuba jogou e empatou duas vezes contra a Costa Rica e só pela regra dos gols marcados fora de casa acabou eliminada. Senão, talvez fossem eles os primeiros rivais da Alemanha na Copa.

k: O quê é “Futebol de esquerda"?

CM: Futebol de esquerda é generoso e se compromete apenas com o público. Ele é sincero, não impõe o resultado acima de tudo.

k: Jogar bonito e então perder?

CM: Não. O público quer um futebol com honra. Marca muito, se a equipe se compromete e demonstra querer vencer os jogos, se o jogador se diverte, ou se é jogado o futebol feio, destrutivo.

k: Ou seja, no final das contas o que importa não é só o resultado?

CM: Não apenas. Quando você joga demonstrando pouca vontade, jogando defensivamente e tem um resultado negativo, o público se sente traído. Quando a equipe corre, luta, joga e então perde, significará que honraram o público. Mas a equipe não deve trair seus torcedores. Nunca.

k: Como o Senhor julga o jogador que depois de amanhã se transfere para um até hoje rival, porque lá ganhará alguns milhões a mais?

CM: O dinheiro não tem nada a ver. Placido Domingo ganha muito dinheiro, mas nunca será um cantor de sucesso. Você nunca verá o Al Pacino em um papel ridículo. O dinheiro não estraga o futebol. Para mim tanto faz, quanto custa um quadro, se o artista não me trai com um trabalho de segunda classe. Enquanto o jogador mostrar comprometimento, espetáculo e coragem, ninguém se importará se ele ganha milhões.

k: Quem joga um futebol corajoso?

CM: O Barcelona, a Seleção Brasileira, o Manchester United entusiasmou até há um anos, também o Arsenal novamente agora. Todos jogam corajosamente e ao mesmo tempo com sucesso.

k: Os críticos lhe repreendem, que suas equipes jogam de maneira corajosa, mas, na maioria das vezes, não obtêm êxito.

CM: Eu ganhei muito, muito mais do que as respectivas equipes merecessem. Eu nunca tive uma equipe de campeões, exceção feita àquele Barcelona do início dos anos 80. Então nós ganhamos a Copa da Liga, a Copa do Rei e fomos vice-campeões. Fiquei sem o Maradona por dezoito partidas e sem o Schuster por oito ou nove. No Atlético de Madrid um presidente exigiu de mim que punisse um jogador por ele ter perdido um pênalti. Nós estávamos em terceiro – O quê dá pra dizer disso?

k: Os treinadores são julgados pelos títulos?

CM: Totalmente falso. Muitos acreditam que só quem termina em primeiro tem sucesso. O futebol não é tão simples. Se o Ajax nos anos 70 vencesse tudo com seu estilo revolucionário, todos os treinadores jogariam como eles, e não poderiam, porque não teriam os jogadores para isso. Nem uma vez os próprios holandeses o fizeram nem ganharam nada. Nem em 1974, nem em 1978.

k: Os treinadores não têm pelo menos uma parte da culpa?

CM: O treinador é o diretor da orquestra. Com músicos medíocres nunca terá uma grande orquestra. Mas com muita prática e entusiasmo você pode realizar um razoável concerto.

k: A Argentina leva ano após ano talentos para fora, a seleção está entre as favoritas para a Copa, e em casa o futebol está mergulhado numa profunda crise. Como se explica isso?

CM: Os clubes não são controlados. Só se pensa no negócio. Temos jogos todos os dias. Os jogadores são vendidos como gado. Os torcedores só vão aos clássicos. Os clubes vão à falência, apesar que nos últimos anos vários jogadores foram vendidos para a Europa pelo valor total de US$ 200 milhões.

k: Colocam tudo no próprio bolso?

CM: O futebol argentino é corrupto, e só o talento dos jogadores, que desde cedo tem que conseguir impor seu talento sobre milhares de outros talentos, é o responsável por manter o futebol argentino ainda vivo, senão estaria morto há tempos.

k: O Senhor avalia que o Brasil é superior às outras equipes, inclusive à Argentina?

CM: Não, não acredito nisso. A diferença é pequena. Verdade é que os jogadores brasileiros são jogadores chaves em suas equipes. Por outro lado, na Argentina, no momento faltam jogadores como Kaká, Cafú, Roberto Carlos, Ronaldo, Ronaldinho ou Robinho. A Argentina tem bons jogadores, mas nenhum de ponta.

k: O que o senhor espera da Copa?

CM: Muito. A Copa do Mundo é, no fundo, a última chance que o futebol mundial tem de reconquistar o público.

k: Como é?

CM: A Scala de Milão ou a Ópera de Paris não são mais bonitas que outras salas de ópera. Mas provocam totalmente outras sensações nos cantores e no público. Um jogo de futebol em Munique, Barcelona ou Manchester é totalmente diferente dum jogo na Coréia ou Japão. Se sente o ambiente, a história. Manchester, Barcelona, Munique são outros palcos. Isso marca os jogadores.

k: Podemos esperar grandes emoções da Copa do Mundo?

CM:A Alemanha oferece todas as condições para que haja um congraçamento dos torcedores. Um público entusiasmado e que conhece de futebol. Diferente da Ásia, onde a Copa só se viveu nos estádios e na televisão. A Copa é assunto nas famílias, nas bancas de jornal, no escritório, no bar e nos bondes.

k: Quão grande é a vantagem da equipe da casa?

CM: Se o público se identifica com a equipe, é de fato uma vantagem jogar em casa. Então sim a lei do time da casa se impõe. Os espanhóis fracassaram na Copa de 1982, os italianos em 1990 também. Mesmo o Brasil perdeu o jogo decisivo em 1950 contra o Uruguai em casa. Quando isso não funciona, quando há uma ruptura entre o público e a equipe, então o dono da casa fica em desvantagem.

k:O quê se aplicou ao seu time de 1978.

CM: Nós tínhamos uma ótima equipe. Técnica, talento, luta – e tínhamos o sucesso necessário. E isso não vem no nada. Deve-se trabalhar pra isso.

k: A Alemanha trabalhou o suficiente?

CM: O time do Klinsmann também pode ser campeão. Os alemães sempre têm boas seleções. Infelizmente o futebol alemão teve uma redução de sua força, ordem e sucesso. Eu poderia enumerar 50 jogadores, de Beckenbauer, Overath, Breitner, Stielike, Schuster, passando por Littbarski, Häßler até o Ballack, que são tão capacitados quanto argentinos ou brasileiros. Talvez falte à seleção de hoje algum jogador que faça a diferença.

k: O Senhor fumou na última hora somente um cigarro: O senhor pensa em deixá-lo?

CM: Sim, já está na hora. Até quando se tem 40 anos, você pode jogar futebol sem problemas por 20 minutos. Pelo menos comigo foi assim. Então o ar se torna mais escasso. Os de 20 anos correm e correm. Como agora não consigo mais jogar tênis, decidi mudar alguma coisa.

2 comentários:

Braitner Moreira disse...

Puxa, ótima entrevista. Menotti é do tipo que lê as entrelinhas do futebol, e teve muito êxito por conta disso. Hoje em dia vemos tantas equipes se escondem em campo com covardia... e outras que pensam que só uma retranca é capaz de segurar uma vitória. El flaco era diferente, e talvez por isso mesmo foi um técnico tão diferenciado.

Faltam mais Menottis, Zemans e Cruyffs no futebol de hoje.

Luiz Fernando Bindi disse...

Genial entrevista. Genial.

E belíssima lembrança do Braitner: Zdenek Zeman.