quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Maradona, da UTI à Copa do Mundo em 30 meses*


* Originalmente publicado no Terra

Diego, se alimentando por sondas e respirando por aparelhos, arrancou tudo, saltou da cama e saiu caminhando. Passou pelo espelho e se assustou com o que viu: sua palidez doía os olhos e, se subisse na balança, é certo que veria três dígitos. Naquele 25 de abril de 2007, televisões argentinas exibiam tarjas de luto e lhe davam como morto. Praticamente 30 meses depois, não foi lá tão diferente e, mais uma vez, Maradona sobreviveu.

Se em abril de 2004, no auge do vício pela cocaína, Maradona foi internado em estado delicadíssimo e os médicos avaliaram seu coração em frangalhos, como estaria Don Diego no Centenário, em Montevidéu, durante aqueles 90 minutos em que novamente flertou com a vida e a morte? A verdade é que o maior ídolo argentino tem o dom da regeneração, a aura dos campeões e a benção dos céus, por mais que suas atitudes jamais tenham sido ortodoxas.

No roteiro cinematográfico argentino das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2010, enquanto Coco Basile iniciava sua caminhada pós-Mundial da Alemanha, Maradona convivia com o novo vício da bebida, a forma que encontrara para ficar longe das drogas. Em território argentino, chegou a se dizer que teria bebido 15 garrafas de champanhe 48 horas antes de uma internação.

Se em abril de 2007 foi dado como morto, em março Maradona tinha vivido momentos ainda mais delicados. A pancreatite, que fataliza 80% dos que dela se acometem, lhe tomava conta. Enquanto isso, a ambulância que o transportava, sem sucesso, não conseguia um hospital para tratá-lo. Sim, naquele 28 de março, várias foram as autoridades médicas de Buenos Aires que deram as costas para o maior ídolo argentino em todos os tempos.

O golpe da China e o início terrível

Enquanto a seleção se deteriorava e a direção da AFA (Associação de Futebol Argentino) cada vez mais vivia às turras com Basile, Maradona se revigorava. A ponto de ter escalado como supervisor da seleção olímpica para os Jogos Olímpicos de Pequim.

No Mar da China, Don Diego navegou soberano. Na ríspida relação entre Riquelme e Messi na Ásia, a aproximação do então dirigente iniciante foi ao jovem ascendente, candidato a melhor do mundo. Também se fortaleceu a relação com Gago e Aguero. Juan Román Riquelme cada vez mais ficava de canto. Cada vez menos, se sentia o dono daquele ambiente que terminou com medalha de ouro.

A relação de Maradona com a família Grondona se tornou tão afetiva novamente que, Julio, o comandante do futebol platino, lhe prometeu o comando técnico um dia. E quando Alfio Basile foi demitido, El Diez não hesitou em tirar seu telefone do gancho e ligar para a AFA. A Argentina, que produzira técnicos acima de qualquer suspeita, como Marcelo Bielsa (Chile), Gerardo Martino (Paraguai), Carlos Bianchi (ex-Boca), Ramón Diáz (ex-River), escolheu seu maior ídolo. Ignorou qualquer decisão sensata.

Maradona, que havia vencido dois jogos de 23 à frente de Deportivo Mandiyú e Racing de Avellaneda, ganhou a seleção argentina de presente a menos de dois anos para a Copa do Mundo. De cara, rachou com Riquelme, a quem fez críticas públicas. Román não perdoou o golpe de El Pibe na China e nem a forma como Basile foi sacado do cargo. Logo ele, o técnico que apostara no camisa 10 afastado no Villarreal em 2007 e lhe acomodara no esquema tático ideal.

Apesar dos pesares, Don Diego ainda continuava sendo uma figura tão midiática quanto fatalista. Agarrou-se nos jogadores e à profissão como um estagiário ambicioso. Visitou clubes, conversou com outros treinadores, virou figura comum em estádios de Almagro a Liverpool. Para vê-lo em ação no debute em Glasgow, o novo comandante arrastou consigo 500 jornalistas credenciados. Nada mal.

No topo do iceberg, Maradona veria tudo derreter rapidamente. Estreou nas Eliminatórias surrando os pobres venezuelanos por 4 a 0 em Nuñez. Mas, no jogo seguinte, não seria perdoado em La Paz, onde havia batido bola com o presidente Hugo Chávez. A derrota de 6 a 1 diante dos bolivianos foi o momento mais humilhante da camisa argentina. Também perdeu no Equador e, pressionado, acionou o caldeirão de Rosário para enfrentar o Brasil. Tomou mais três e caiu também diante do Paraguai. A Copa era um fino raio de luz ao fim do túnel.

Os heróis de Maradona

O fatalismo comum aos latinos também vive muito forte na cabeça de Maradona. Se sentiu acuado, pressionado, e resolveu que todos estavam contra ele. Segundo 85% dos argentinos, aquele agasalho não poderia ser dele. Perdido, Don Diego recorreu a seus heróis de guerra. Em baixa na carreira, Schiavi e Palermo, heróis do Boca Juniors, foram acionados.

Mais uma vez, Maradona estava sentado naquela cama de hospital, preso por tubos e monitorado por raio-x. Ele tinha um minuto e alguns acréscimos para reverter situação trágica após a cabeçada fatal de Rengifo. Como em abril de 2007, El Pibe foi ressuscitado. Sob métodos nada convencionais, com gol impedido de Palermo. Mas quem disse que Don Diego quer algo convencional?

Quis o destino que fosse Palermo, o jogador de quem mais Maradona comemorou gols com a camisa do Boca. Alguém que também viveu sempre entre o céu e o inferno. Marcado pela perda de três pênaltis num dia e por acidente na Espanha: ao comemorar um gol com torcedores do Villarreal, o "otimista do gol", apelido dado por Carlos Bianchi, viu um muro desabar e fraturar tíbia e perônio. Ou que, em 2006, viu sua mulher grávida de seis meses perder o filho Stefano. E que em 2009, aos 35 anos, teve a lesão mais grave da carreira.

O gol salvador do "otimista" Martín Palermo fez Maradona novamente se levantar da cama do hospital. Inacreditavelmente, o fez deslizar sua arredondada saliência pelo molhado gramado de Nuñez. Um peixinho adolescente, como o choro abraçado a Palermo. O palco do River Plate reverenciava dois ídolos máximos boquenses. Coisas de Don Diego. "

A batalha final em território cisplatino ainda reservou mais um momento para testar a estrela de Maradona. Nem 10 minutos depois de colocar o mediano Bolati em campo, ele viu o volante, em jogada de sorte típica a um ganhador de loteria, carimbar o passaporte para o Mundial. Neste exato momento, Diego caminha para a África com mais 23 guerreiros loucos por ele. Inacreditável como levantar de uma cama de hospital à beira da morte.

2 comentários:

Anônimo disse...

Brilhante, Dassler, sem dúvida um post de extrema categoria do melhor jornalista esprotivo do Brasil.

Anônimo disse...

Brilhante, Dassler, sem dúvida um post de extrema categoria do melhor jornalista esprotivo do Brasil.