quarta-feira, 4 de maio de 2011

Guardiola e Ferguson: por que tantas vitórias?


É natural a badalação em torno de José Mourinho. Afinal, não há treinador de semelhante relevo que conquiste tantos títulos com equipes de perfis tão diferentes em um espaço tão curto de tempo. Mas não são só as conquistas que fazem de Mourinho o mais midiático. É tão treinador quanto personagem. É tão tático e técnico quanto perspicaz em todas as esferas. Tem tanta habilidade de vestiário quanto na forma como propõe sua relação com a imprensa, que pode ser facilmente manipulada pelo português para gerar alguma situação que ele considere favorável para sua equipe. Ética, aqui, é uma questão secundária.

Alex Ferguson e Pep Guardiola, novamente finalistas da Liga dos Campeões, são treinadores e ponto. É evidente que também sabem conduzir "mind games" e fazem algumas coisas semelhantes a Mourinho. Guardiola disse que há vários Wilsheres no Barça B, o que não é verdade. Fergie é costumeiro crítico da arbitragem, que muitas vezes o beneficia. Mas nenhum deles se aproxima de Mou, que já ouve algumas contestações até em Portugal, onde André Villas Boas é visto como sua evolução. A imprensa em geral provavelmente dedicará poucas manchetes para Pep e Ferguson, mas a verdade absoluta é que ambos são responsáveis ao extremo pelo novo sucesso europeu de Barça e United.

Com um Manchester United que parece se enfraquecer mais a cada temporada, Ferguson conseguiu um feito fabuloso: chegar à decisão europeia pela terceira vez em quatro anos, o que só ocorreu com seis times inesquecíveis na história da competição. O United de Giggs e Rooney se junta ao Real Madrid de Di Stéfano, ao Benfica de Eusébio, ao Ajax de Cruyff, ao Bayern de Beckenbauer, ao Milan de Van Basten e à Juventus de Zidane e Del Piero. O Manchester, campeão de 2008 e vice em 2009 graças aos gols de Cristiano Ronaldo e às defesas de Van der Sar, tem uma bandeira ainda mais marcante, que é Ferguson.

Mesmo prestes a completar 70 anos, Fergie mantém uma enorme sede de vitórias e consegue transmitir esse espírito à equipe como ninguém no futebol mundial. De orçamento reduzido nos últimos dois anos, o United se restringiu a contratações pontuais, como Valencia e Chicharito Hernández, e se reergueu mesmo com uma perda do quilate de Cristiano Ronaldo.

Ferguson fez jogadores com limitações evoluírem, como o antes robotizado Fletcher, o afobado Rafael e o problemático Nani, três exemplos de surpresas dos tempos recentes. Encontrou em Giggs um novo protagonista como o homem da armação de jogadas, transformou Ji Sung Park em peça indispensável. Soube tirar Rooney de seu momento mais controverso desde a chegada em Old Trafford para o jogador decisivo em confrontos com Chelsea e Schalke 04.

Além das questões táticas, técnicas e de situações de mercado, Ferguson parece ainda mais hábil em encourajar sua equipe a atingir os objetivos independente da equipe que entre em campo, como foi provado no confronto desta quarta diante do Schalke. Reservas como Gibson e Anderson, de poucas perspectivas para o fim da temporada, foram essenciais para um choque de autoridade aplicado aos Azuis Reais. São em situações como essa em que o treinador mostra seu valor e Fergie certamente tem um enorme.

Pep Guardiola também não pode ter seu mérito reduzido por conta da genialidade dos jogadores que dirige. Afinal, quantos times cheio de craques já naufragaram? O Barcelona se reinventa taticamente, incorpora reforços como Mascherano, de ótimo papel na zaga nos duelos contra o Real Madrid, e abre espaço para a cantera. Guardiola é o agente de todas essas transformações e, a cada dia, prova que há sensíveis diferenças entre seu Barça e o de Frank Rijkaard, campeão europeu com louvor e Ronaldinho em 2006.

Nos confrontos de Liga dos Campeões com o Real Madrid, Guardiola insistiu na identidade de sua equipe até que o ferrolho defensivo de Mourinho se rompeu na expulsão justíssima de Pepe no Santiago Bernabéu. Os espaços surgiram e Lionel Messi soube aproveitá-los com genialidade, concretizando a vitória de um estilo que sobrou em relação ao de Mou, que desenhou um Madrid veloz e vertical durante a temporada e voltou atrás para medir forças com o Barça.

No jogo psicológico duríssimo dos clássicos Barça-Real, Guardiola conservou o bom ambiente, enquanto Mourinho dessa vez não obteve sucesso. Pepe, personagem nos momentos bons e ruins dos merengues durante os duelos, simbolizou a mentalidade madridista imposta pelo português: vibrante, múltiplo, descontrolado e imprevisível. Pep manteve um Barcelona linear até demais, dada a dificuldade que teve em incomodar Casillas nos três primeiros jogos da série, mas foi fiel aos seus princípios e saiu com a vaga na decisão.

Em Portugal, se perguntou no título de um livro famoso: Mourinho, por que tantas vitórias? Em 8 de maio, a Europa irá voltar seus olhares para Wembley e perguntará como Guardiola e Ferguson também ganham tanto.

Um comentário:

Filipe Lima disse...

Comecei a ler o seu texto, pela proposta do título, achando que ia discordar de você.

Ia dizer exatamente o que você contra-argumentou, sobre Guardiola ter uma equipe genial em mãos. Mas você tem razão, muitos elencos assim, na prática, não chegam a nenhum bom resultado, e ele conseguiu manter o esquema e os nervos de seus comandados no lugar nos duelos diante do Real.

Mas, apesar de concordar com tudo que você escreveu, ainda não dá para cravar que o cara é treinador top (não que você tenha dito isso, mas já há quem pense assim). Isso, só o tempo dirá. Bons trabalhos iniciais, até o Oswaldo de Oliveira já teve. No futebol, nada como o tempo para julgar as coisas.

Do Ferguson, qualquer coisa que a gente fale, é pouco. O cara é um gênio. Histórico.

Abraços!