domingo, 12 de dezembro de 2010

O que ensinam os campeões

A medalha de campeão brasileiro está novamente no peito de Muricy Ramalho e isso merece uma reflexão. Afinal, nos últimos seis anos, ele levou quatro vezes e só não as outras duas por detalhes mínimos, já que liderou com o Palmeiras/09 por tanto tempo e só caiu com o Internacional/05 pela diferença de um nariz. Se o mesmo treinador consegue tantas vitórias, algo de especial geralmente tem. É claro que Muricy não é uma exceção.

O ponto aqui é tentar entender o que suas equipes ensinarão para o futebol. Em que espaço exatamente da história os times de Muricy Ramalho ficam encaixados? Na receita para a conquista deste Brasileiro com o Fluminense, o treinador tinha muitos ingredientes diferentes à disposição, mas novamente se utilizou dos mesmos procedimentos. Sinal de que não é um cozinheiro de grandes pratos, mas eficiente em absoluto. Muricy não ficará registrado pela forma como ganhou. Será lembrado porque ganhou.

Em outro tricolor, ele repetiu procedimentos há muito tempo conhecidos, mas aos quais ainda não se consegue superar nesta competição. Uniu em torno de si um clube onde as diferenças começam no portão de entrada, passam pelo vestiário e chegam até o gabinete do presidente. Com seu fico, Muricy reafirmou a envergadura moral que seu nome é capaz de sustentar. Forte, executou a proposta de jogo que atropela os adversários, um a um, quando o assunto é Campeonato Brasileiro em pontos corridos.

Isso ocorre principalmente se o intervalo entre as partidas é grande. Muricy consegue ter seus jogadores em ótimas condições físicas, treina à exaustão sobre as deficiências do adversário e faz variações táticas que normalmente deixam seu time confortável dentro de campo. O não dito à CBF foi um bem para o futebol brasileiro em todos os aspectos: primeiramente, trouxe mais senso de honestidade em um meio descrente. Depois, enrijeceu o Fluminense. Por fim, permitiu à seleção que tivesse um treinador mais ajustado às suas aspirações.

O perigo que chega com as conquistas de Muricy é o de que sua proposta seja a única capaz de se sobressair no futebol brasileiro. Sérgio Guedes, hoje treinador da Portuguesa, costuma dizer que sempre haverá um campeão, e que as pessoas tendem a achar ser aquela a receita do sucesso. É possível que haja 20 clubes na disputa e nenhum seja exemplo a ser seguido. Então, fundamental é absorver cada conquista com aquilo que ela ensina. José Mourinho triunfou por Internazionale, Chelsea e Porto com propostas absolutamente diferentes.


No Footecon, realizado dois dias após a conquista do Fluminense, os times mais mencionados eram a Espanha da Copa do Mundo e essencialmente o Barcelona de Guardiola, Xavi e Messi - essas são equipes que se incluem na história pela forma como conquistam seus triunfos. São os conjuntos que ensinam por que o passe é o fundamento mais importante do futebol. Desarmes, bolas aéreas, dribles, finalizações e todos os outros vêm depois. Se falou pouco além desse básico. Se esqueceu o Flu e as tantas vitórias de Muricy. Por que acontecem tanto?

As ideias discutidas no principal congresso de futebol do país, infelizmente, não saem do superficial. Resistimos a conceitos específicos, não falamos sobre tática, sobre preparação física e ainda achamos que só o craque resolve sozinho. Se justifica o comentário recente de Mano Menezes: até quando se dará risada quando alguém disser que tal time joga no sistema 4-1-4-1, por exemplo? Achamos mesmo que só existem 4-4-2, 4-3-3 e 4-5-1?

Vamos pouco além do óbvio e ainda achamos que os ex-jogadores são os mais capacitados fora de campo para transmitir o que aprenderam dentro dele. Daí a pertinência da pergunta do tetracampeão e estudioso Paulo Sérgio, a Carlos Alberto Parreira, durante uma palestra na Soccerex: será que nossos ex-atletas se prepararam para ocupar as posições importantes que normalmente desejam ocupar?

Com que conhecimento técnico, além do que fez de forma fantástica dentro de campo, Carlos Alberto Torres pode dizer que não houve nada novo na Copa do Mundo de 2010? Que o Campeonato Brasileiro atual é uma porcaria? Que Neymar nunca pode ser obrigado a marcar o lateral do outro time? Messi não faz isso em todos os jogos do Barcelona? Por que Neymar não pode fazer? Talvez por esse pensamento é que um clube europeu ainda resista a pagar mais do que 7 milhões de euros para um jogador da qualidade técnica de Elias, por exemplo.

Não se assiste tevê de alta definição nas telas de preto e branco. Não se operam mais pessoas com os instrumentos médicos da década de 70. Não se costuram mais roupas nos dias de hoje com os aparelhos do passado. Não se enviam mais reportagens com máquinas de escrever. Não se escreve atualmente com o dicionário de décadas passadas. Por que o futebol precisa ficar preso a velhos paradigmas e não ser visto como um esporte em constante mutação? Afinal, é feito por seres humanos.

Nesse sentido, ninguém está mais na história que o Barcelona de Lionel Messi, time que marcou 32 gols nos últimos 7 jogos pelo Espanhol. Será muito difícil olhar ao passado e encontrar mais do que três ou quatro equipes tão à frente de seu tempo em ideias e estratégias. É também o caso de Muricy Ramalho no Brasil: não encanta ao conquistar. Mas tem tantas conquistas que se torna um sujeito e profissional encantador. Cada campeão tem seu ensinamento.

PS.: Os 11 melhores do Brasileiro para este blog são: Fábio, Mariano, Dedé, Leandro Euzébio e Roberto Carlos; Elias e Jucilei; Montillo e Conca; Neymar e Jonas. Téc: Muricy Ramalho.

4 comentários:

André Rocha disse...

Absolutamente brilhante. Irretocável MESMO.

Editor disse...

Realmente faltam reflexões a respeito de tudo que gira em torno do futebol. Muricy não é gênio, mas é trabalhador, como o próprio gosta de dizer.

Abs
http://blogdolucizano.blogspot.com

André Augusto disse...

Perfeito. A velha guarda do jornalismo é muito viúva do passado. Cada coisa a seu tempo e Messi e o Barcelona estão escrevendo um capítulo digno de ser contado por muitas e muitas décadas adiante.

Quanto a seleção, ficaria com Chicão e Alex Silva na zaga, mais regulares e seguros do que a dupla carioca no BR (mesmo com o CHicão ficando boa parte do torneio de fora)

Abs

Nicolau disse...

O "não" de Muricy para a Seleção teve outra consequência: ferrou com o COrinthians, hehe! Se Mano Menezes tivesse ficado, aposto que o Timão não teria passado pelos seis jogos de quase jejum que levaram à demissão de Adilson Batista. Não que tenha sido culpa exclusiva de Adilson, que sofreu pra caramba com desfalques no período, mas por conhecer muito melhor o elenco e ter mais tranquilidade para proposta de jogo mais defensivas, Mano teria saído bem melhor do período do estaleiro. Enfim, futurologia do passado não leva a nada, hehe. Belo texto!