quarta-feira, 15 de agosto de 2007

O herói de Berna


O texto abaixo foi reproduzido originalmente para a Trivela e, excepcionalmente ao que costumo fazer, publicarei aqui. Trata de Helmut Rahn, grande herói esportivo alemão na lendária Copa de 1954. Tenho tamanha identificação com o tema e, por isso, deixo-o por aqui.


"O herói de Berna"


Há jogadores que não precisam de mil gols para brilhar. Há homens que não precisam de muito para conquistar um país. Helmut Rahn foi um desses. Querido por muitos, paquerado por outras muitas, este alemão nascido em Essen, deu o mundo para a nação germânica. Foi personagem frontal de uma história, quase estória, construída em Bern, na Suíça.

O cenário pós-Segunda Guerra Mundial não era nada florido para o povo alemão. Destruída e fragilizada em vários aspectos, a nação, tradicionalmente gelada, não tinha mesmo muitos motivos para sorrir. Em 1954, o Nationalmannschaft não parecia capaz de fazer esboçar uma reação positiva quando rumou para a Suíça, onde iria disputar a quinta Copa do Mundo de futebol.

Sepp Herberger, o homem à frente do time, não nutria de muitos simpatizantes, especialmente após a sapatada de 8 a 3 sofrida para a Hungria. O ponteiro Helmut Rahn, misto de velocidade e faro de gol, pouco fez, jogo a jogo, durante a Copa do Mundo. Ainda assim, os alemães avançavam, discretamente, para escrever a história.

Nas quartas-de-final, uma vitória magra, sobre a Iugoslávia, por 2 a 0. Um dos gols foi de Helmut Rahn, porém discreto durante a semifinal, vencida por 6 a 1 sobre a forte Áustria. Tão discreto que, Sepp Herberger, pensava em lhe deixar de fora da final.

Rahn, todavia, dispunha de um forte aliado: Fritz Walter, capitão do time e braço direito do treinador, era seu amigo e companheiro de quarto. Walter, mais que isso, confiava no jovem ponteiro. Conta a história que, em uma das quase diárias caminhadas entre chefe e escudeiro, se definiu que a camisa 12 de Helmut Rahn estaria entre as preferidas para o embate final.

Uma vitória na final não passava pela cabeça dos germânicos. A Hungria de Puskas, como se sabe e já se sabia, era pelo menos um dos três maiores esquadrões da história do esporte. Havia sido capaz de golear a Inglaterra, pioneira e soberana no futebol, duas vezes, uma delas no templo de Wembley, casa sagrada. Também havia causado um terremoto na Alemanha com os fatídicos 8 a 3 da fase inicial.

A santificação de Helmut Rahn

Os alemães não acreditaram quando viram a chuva, caindo do céu, horas antes da final. Com o gramado molhado, poderia prevalecer, eventualmente, a força física da Alemanha sobre a estupenda técnica húngara. Além disso, Adi Dassler, membro da comissão técnica, havia desenvolvido inovador sistema de travas nas chuteiras, prevendo um milagre, da chuva, no gramado do Wankdorf Stadion, em Bern.

Helmut Rahn foi a campo disposto a fazer o impossível, como todo o Nationalmannschaft. A tarefa, todavia, era inglória. Tanto é verdade que, rapidamente, Czibor e Puskás deram dois gols à frente para os húngaros, em placar diluído em imediato, com o tento de Morlock. Não muito depois, Rahn pôs números iguais ao embate.

O jogo se arrastava, assim como Puskas, caçado desde o primeiro jogo entre húngaros e alemães. O gramado duro, favorecia a estratégia de Sepp Herberger. A torcida, de maioria evidentemente germânica em solo suíço, não pôde acreditar.

Faltavam seis minutos para o fim do jogo.A bola veia alta, por cima, tal qual o orgulho alemão, mas resvalou em desvio da zaga magiar, respingando frente à área. Ela sobrou nos pés de Helmut Rahn, ponteiro destro, candidato a herói, que matou e, após blefar um chute com a melhor perna, levando dois húngaros, bateu seco, rente à grama, de canhota, no canto esquerdo de Grosics.

Àquele instante, Helmut Rahn catalizava o maior feito da história do esporte alemão. O Nationalelf - de Sepp Herberger, Horst Eckel, Fritz Walter e muitos outros heróis - fazia sorrir um povo marcado pela guerra, de orgulho e honra dissipados pelo nazismo. Rahn, personagem frontal do Milagre de Berna, não precisava de nada mais. Podia morrer ali, na entrada da área direita do Wankdorf Stadion. Seu papel estava concluído. O esporte, a Hungria, a Alemanha e a Copa do Mundo nunca mais seriam iguais.

Quem foi Helmut Rahn

Rahn não passou de um bom jogador. Mas com momentos, evidentemente, de heroísmo. Nasceu em Essen, cidade localizada no centro do Vale do Ruhr, em 16 de agosto de 1929. Era conhecido como Der Boss, o chefe, e teve seus melhores tempos, por clubes, com a camisa do Rot Weiss Essen, onde atuou oito anos e conseguiu o título nacional de 1955. Ainda teve curta passagens pelo 1.FC Köln.

Helmut Rahn, que ainda tentou a sorte como negociante, deixou Essen e a Alemanha dois dias antes de seu 74º aniversário, em 2003. Não há dúvidas quanto seu heroísmo.

No cinema

A história germânica de 1954 já foi retratada em elogiada obra cinematográfica, lançada em 2003, por Sönke Wortmann. O Milagre de Berna ( Das Wunder von Bern) conta histórias paralelas e marginais ao épico feito alemão na Copa do Mundo. O garoto Matthias, personagem central do título, é amigo e ídolo de Helmut Rahn, a quem considera também um segundo pai.

A película, além de se ater a detalhes periféricos importantes da disputa, também dimensiona o quão incisivo foi o Milagre de Berna para a fragilizada sociedade alemã do pós-Segunda Guerra Mundial.

No Youtube

O gol do título mundial, assinalado por Helmut Rahn:

Trailer de "Milagre de Berna"

2 comentários:

André Augusto disse...

Muito bom o texto!
Sinceramente, não sabia sobre Rahn. Quando fiz um perfil de Puskás, fiquei mais encantado e focado nos feitos magiares do que na eficiência e nesse grande feito dos alemães.
Se tiver um tempinho, nos meus do blog tem um perfil do Puskás...

Parabéns pelo texto, gde abraço e sucesso!

Gerson Sicca disse...

Baita texto. A Alemanha, em 54, vivia, como dito, os traumas do pós-guerra. Tinha seu favor, no entanto, uma injeção fenomenal de recursos e um cenário econômico de crescimento.
A seu favor, tinha tb a guerra fria. A Hungria, assim como a Tchecoslováquia em 62, eram do outro lado da cortina, o que lhes gerou, segundo alguns, uma série de dificuldades.
Dassler, dá uma olhada no meu blog sobre a notícia do Botafogo. Já deves saber, mas está dado o toque.
Abração amigo.