terça-feira, 6 de julho de 2010

O baile holandês*


Até 1974, a Holanda estava muito longe do radar das grandes seleções. Seus últimos (e únicos) Mundiais haviam sido em 34 e 38, quando havia sido eliminada nas estreias com derrotas. A volta a uma Copa do Mundo, quase quatro décadas depois, não se anunciava simples, já que o rival era o tradicional Uruguai. Não se esperava que o confronto, reeditado nesta terça-feira na Cidade do Cabo, entrasse para a história. Mas foi exatamente o que aconteceu.

A lendária e revolucionária Laranja Mecânica escreveu seu primeiro capítulo justamente contra os uruguaios, semifinalistas da Copa do Mundo anterior. A vitória por 2 a 0 foi mínima perto do massacre técnico, tático e físico dos holandeses. Era o nascimento de um grande esquadrão, mas Johan Cruyff temia o duelo, confessou anos depois.

O arrastão holandês

"Estávamos muito nervosos. Além de nunca termos atuado juntos, cinco jogadores estrevam em novas funções. O próprio Nesskens teve de se sacrificar e fazer várias funções. Eu não estava 100% fisicamente. E tudo isso junto, num só jogo, o da estreia, com uma seleção bicampeã mundial, quarta colocada na Copa anterior...", afirmou Cruyff no livro Futebol Total, escrito por ele próprio.

Bastou a bola rolar para as ideias ficarem claras. A Holanda tinha a base do Ajax, então tricampeão da Liga dos Campeões da Europa, e as novas peças se encaixaram milimetricamente. Ao contário do que se imagina, aquele time holandês sincronizado e imprevísivel não foi montado por anos e anos. Foi um fenômeno da natureza.

Não foi suficiente aos uruguaios ter um time experiente, com jogadores como o goleiro Mazurkiewicz, o lateral Pablo Forlán, o volante Montero Castillo e o meia Pedro Rocha. A base semifinalista da Copa de 70 já era ultrapassada e foi atropelada pela Laranja Mecânica.

Segundo o livro As maiores seleções estrangeiras de todos os tempos, do jornalista Mauro Beting, foram 17 chances de gol da Holanda contra uma do Uruguai. Além dos dois gols, um pênalti não marcado, um gol anulado equivocadamente e muitas, muitas defesas do goleiro Mazurkiewicz. Pedro Rocha recorda o massacre:

"Nosso treinador (Roberto Porta) pediu atenção especial para o 14. Montero Castillo, nosso volante, disse para 'deixar com ele', que o Cruyff não iria andar. Pois é... No intervalo, perguntei ao Castillo porque não conseguira fazer o prometido. Ele me disse: 'mas como? Corri atrás do 14 o campo todo e ele não parou! Não dava nem para dar porrada nele". Castillo conseguiu ao menos o segundo objetivo: de tanto bater, foi expulso aos 22min da etapa final.

Futebol total

Coletivamente, como se tornaria a marca de todos os grandes times do país, a Holanda construiu seus dois gols. O primeiro, já com 6min, com o lateral Suurbier fazendo jogada de ponta, pela direita, e cruzando na cabeça de Rep, que finalizou da posição de centroavante. Não à toa se dizia que o time rodava como um carrossel...

Cruyff ainda marcou um gol, inexplicavelmente anulado pelo árbitro húngaro Karoly Palotai, que entraria para a história do futebol. Até um "ohhhh" do estádio a Holanda arrancou, em seguida, por conta de um impedimento. Aos 46min, o cerebral Van Hanegen lançou Rep, que rolou para Rensenbrink confirmar a vitória e encerrar a história.

Além de inaugurar a linha de impedimento, a Holanda apresentou ao mundo a tática que se notabilizaria como arrastão. Subitamente, vários holandeses (oito, nove ou até dez) se moviam na direção de um adversário na saída de bola.

Essa era uma de tantas marcas daquele time que não precisou de taças para escrever seu nome na história. E começou tudo isso contra o mesmo Uruguai desta terça-feira.

Ficha do jogo

Local: Niedersachsenstadion, em Hannover
Data: 15 de junho de 1974
Árbitro: Karoly Palotai (Hungria)

Uruguai
Makurkiewicz; Forlán, Jauregui, Montero e Pavoni; Mantegazza, Esparrago e Pedro Rocha; Cubilla (Milar), Morena e Masnik
Treinador: Roberto Porta

Holanda
Jongloed; Suurbier, Haan, Rijsbergen e Krol; Jansen, Neeskens e Van Hanegen; Cruyff, Rensenbrink e Rep
Treinador: Rinus Michels

Cartões:
Amarelos: Mantegazza, Forlán e Masnik
Vermelho: Montero Castillo

Gols: Rep, aos 16min do 1º tempo, e Rensenbrink, aos 46min do 2º tempo

* Publicado no Terra

Um comentário:

Jogo Aberto disse...

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