O texto é gigantesco, mas absolutamente esclarecedor. Fala sobre o sucesso da Premier League e foi encontrado pelo Roberto Piantino. Segundo ele, a matéria é do sensacional diário francês Le Monde.
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A Inglaterra do futebol: grana, espetáculo e dominaçãoApós ter atingido o fundo do poço há 20 anos, a Premier League abriu uma dianteira na Europa em termos de espetáculo e de lucros
Pierre Jaxel-Truer e Marc Roche, enviado especial a Liverpool
Será que os "british" estão a caminho de dominar de maneira duradoura a Europa do futebol? Os aficionados até hoje se lembram do acontecimento como de uma chuva de estrelas. Há dois anos, na final da Liga dos Campeões, a mais conceituada das competições européias entre clubes, parecia que tudo conspirava em favor do AC Milan, e que este apresentaria mais uma vez um recital magistral. Mas, o seu adversário, o Liverpool, que perdia por 3 gols a 0, fazendo pouco caso das probabilidades, recuperou essa diferença e acabou triunfando na disputa de pênaltis. Uma partida rara, de grande beleza. Era um futebol-espetáculo de primeira, fiel à promessa do seu nome.
Naquela noite, uma equipe inglesa mais uma vez havia alcançado o topo do futebol europeu, e de maneira espetacular e merecida, seis anos depois do Manchester United. Naquela noite, foi um time que o ocupava o modesto quinto lugar na primeira divisão inglesa, a "Premier League", que venceu. Aquela foi mais uma demonstração de que o campeonato britânico possui mais clubes do que em outros países capazes de se impor na cena européia. Nela, quatro das suas equipes ambicionam todos os anos dominar os debates continentais: o Liverpool e o Manchester United, portanto, e mais dois clubes londrinos, o Chelsea e o Arsenal.
Dois anos mais tarde, os mesmos estão de volta, prontos para encarar a mesma disputa. A final da Liga dos Campeões vai opor mais uma vez, na quarta-feira, 23 de maio, em Atenas, os "Reds" de Liverpool aos "Rossoneri" do AC Milan. Para os clubes ingleses, os sucessos se repetem. No ano passado, o Arsenal também havia alcançado a final (mas foi superado pelo FC Barcelona). Nesta temporada, eles conseguiram colocar três representantes (Liverpool, Manchester United, Chelsea) entre os quatro que disputaram as semifinais. É de modo coletivo que eles vêm abrindo uma dianteira. Esta dianteira, eles a abrem no campo, é verdade, mas também fora dele. Além dos seus resultados esportivos, os clubes ingleses oferecem de fato aos espectadores condições de atendimento e de conforto excepcionais - apenas a Alemanha possui estádios comparáveis - e, além disso, eles souberam diversificar as suas fontes de renda para garantir um desenvolvimento mais sólido do que em outros lugares.
Para um francês acostumado com as arquibancadas de concreto do seu campeonato de primeira divisão, presenciar uma partida noturna no Old Trafford, a toca do Manchester United, é uma experiência única. Este estádio, que foi apelidado de "Teatro dos sonhos", não possui nem grades, nem quaisquer outras separações. O gramado verdejante está bem ali, diante do nariz dos espectadores das primeiras fileiras, ao alcance da mão.
Mais acima, nas arquibancadas sempre lotadas (76.000 lugares), todos estão sentados bem quietinhos. Não há o menor sinal de qualquer grupo de torcedores organizado, nem mesmo faixas. Os cantos ressoam com profundidade, quase discretos. Além disso, no "palco", um grupo de estrelas transmite como quem não quer nada a sensação de que, para completar a apresentação, só falta uma grande lona de pano vermelho para garantir que a cortina seja levantada e depois abaixada.
Contudo, vinte anos atrás, o futebol inglês estava no fundo do poço, gangrenado pela violência. O drama do estádio do Heysel, em Bruxelas, em 29 de maio de 1985, onde 39 pessoas haviam morrido vítimas dos excessos de hooligans que estavam torcendo pelo Liverpool, fez com que os seus clubes fossem praticamente banidos das disputas européias. Os seus times foram excluídos das competições no continente durante cinco anos. Então, em 15 de abril de 1989, a tragédia de Hillsborough, em Sheffield, onde 96 pessoas foram mortas esmagadas, pareceu ter dado ao "soccer" inglês o golpe de misericórdia.
Na verdade, este drama teve o efeito de um choque elétrico que esteve na origem do seu renascimento. O relatório Taylor, encomendado em conseqüência da catástrofe, estabeleceu as bases daquilo que iria se transformar, em 1992, na Premier League. As tribunas e as bancadas foram renovadas e medidas draconianas foram tomadas de modo a garantir a segurança e fazer com que as famílias pudessem voltar para os estádios. A instalação de lugares sentados e de câmeras, a profissionalização dos serviços de segurança, e uma série de outras mudanças, desde então foram imitadas por muitos outros clubes no mundo inteiro.
No início dos anos 1990, o projeto encontrou o seu promotor. O magnata dos meios de comunicação, Rupert Murdoch estava à procura de um espetáculo que fosse capaz de ajudá-lo a promover o lançamento do seu conjunto de canais especializados, reunido sob o nome de Sky Sports. Ele injetou no futebol quantias consideráveis em direitos de transmissão. A idéia era simples: o investimento deveria aumentar a qualidade do espetáculo, e, portanto, o número de assinantes.
Círculo virtuoso
O campeonato inglês atual é o resultado de um "círculo virtuoso", explica Frédéric Bolotny, do Centro de direito e de economia do esporte de Limoges (no centro da França). "É um espetáculo televisivo, mas não é só isso. É também um espetáculo ao qual se pode assistir no local onde ele acontece. Em conseqüência, ele não é dependente de uma única fonte de renda. Em 2004-2005, os direitos de transmissão pela TV não representavam mais do que 43% das suas fontes de renda, enquanto 31% provinham das receitas dos jogos". Na França, os clubes dependem de um grande difusor, Canal+, que garantiu, em 2004-2005, mais de 60% das suas receitas.
A façanha do futebol inglês também foi de conseguir apresentar um espetáculo de vocação internacional. Hoje os seus jogos são transmitidos em cerca de 200 países, e a sua audiência ultrapassa atualmente um bilhão de telespectadores. O Manchester United, por exemplo, foi um pioneiro das turnês promocionais estivais na Ásia.
O poder de entretenimento e de geração de receitas da Premier League tornou-se único. O faturamento cumulado dos clubes é superior em 40% aquele do campeonato italiano. Além de tudo, ele segue crescendo: novos direitos de transmissão pela TV, cujo valor aumentou em 70%, vão entrar em vigor durante a temporada de 2007-2008, o que lhe permitirá aumentar mais ainda a sua dianteira em relação aos outros campeonatos europeus. Os investidores estrangeiros se precipitam, liderados pelos fundos de investimentos americanos e os oligarcas russos. Foi a Emirates Airlines, a companhia aérea dos Emirados Árabes Unidos, que financiou a construção do novo estádio do Arsenal.
Qual perigo poderia estar à espreita dos clubes ingleses? O preço dos lugares, talvez. Na Inglaterra, a receita média, por espectador, é em média de 50 euros (R$ 133,00), ou seja, cerca de quatro vezes mais do que na França. O futebol inglês optou deliberadamente por criar um produto de luxo, afastando com isso as camadas mais pobres da população - e erradicando também os distúrbios. Diante disso, não faltam aqueles que hoje se preocupam com esta inflação. Dentre eles está o ministro britânico dos esportes, sensível à causa dos jovens cujos parcos recursos não lhes permitem mais aceder aos estádios.
Alguns torcedores do Manchester United, desesperados com a tendência do seu clube a se tornar cada vez mais "burguês", fundaram o FC United Manchester, um clube popular que atrai todo fim de semana 4.000 espectadores. Fundado em 2005, quando estreou disputando a décima divisão, este time jogará na próxima temporada na oitava. Mas nesse meio-tempo, também, a violência dos torcedores acabou encontrando novos terrenos para agir, fora dos campos: nas divisões inferiores.
As receitas com marketing do Liverpool Inc.
Bill Shankly provavelmente deve ter se revirado no seu túmulo. O treinador mítico dos Reds, que comandou o time de 1959 a 1974, cuja estátua vigia a entrada do estádio de Anfield, era uma figura eminente do socialismo escocês. Ora, eis que, desde fevereiro, o Liverpool FC, o seu "Liverpool", pertence a dois milionários americanos, George Gillett e Tom Hicks. E, para complicar tudo de vez, os dois são amigos pessoais de George W. Bush!
Os dois cúmplices estão rindo à toa desde que eles ganharam a sua aposta: acrescentar a instituição do Merseyside ao seu império dos esportes formado por equipes norte-americanas de hóquei no gelo e de basquete, sem se esquecer da rede de televisão Fox Sports em espanhol, que emite para todo o continente.
"Interessados em estender as suas atividades fora dos Estados Unidos, Gillett e Tom Hicks entenderam que a compra do Liverpool lhes oferece a possibilidade de atuar na escala mundial", explica Rogan Taylor, um especialista do business esportivo na Escola de gestão empresarial de Liverpool. Aos olhos dos dois americanos, este clube, apesar da sua formidável galeria de títulos conquistados, é em primeiro lugar uma marca planetária cujo prestígio é menosprezado. A dupla está decidida a desenvolver o seu potencial comercial, em particular por meio da venda de "produtos derivados" e dos patrocínios internacionais. Em primeiro lugar na América do Sul, onde o atual treinador, Rafael Benitez, e o goleiro "Pepe" Reina, ambos espanhóis, são idolatrados.
Além da construção de um novo estádio de 60.000 lugares, Gillett e Hicks prometeram investir maciçamente no desenvolvimento comercial da empresa Liverpool Inc. Assim como fez Malcolm Glazer no Manchester United, os novos proprietários colocaram os seus filhos respectivos em postos de comando. Com isso, o diretor-geral, Rick Parry, tem agora ao seu lado Forster Gillett, 31 anos, que proporciona o seu know-how em matéria de gestão, adquirido junto ao pai no clube de hóquei de Montréal.
Contudo, no curto prazo, a sua ambição para o Liverpool FC esbarrou em resistências. A prefeitura de Liverpool recusou o seu projeto de aumentar para 75.000 o número de lugares do futuro estádio. E o seu plano que visava a oferecer uma gama de preços muito mais ampla foi abandonado. O bilhete de preço o mais alto, que custa 28 libras (R$ 110), permanece duas vezes mais barato do que no Chelsea ou no Arsenal. Por quanto tempo ainda?
2 comentários:
O que mais me impressiona a EPL é o percentual de ocupação dos estádios, não importa a posiçãodo time, o estádio está cheio.
É impressionante. Aqui no Brasil isto não existe. Só em final de Libertadores, reta final do Brasileiro, mas lá é durante a temporada toda.
É muito lindo.
Abraço Dassler. ;]
MUITO bom. Li tudo e ainda achei pouco.
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